13 de maio de 2009

Elas acreditam que eles podem mudar

Os pedidos de desculpas vêm muitas vezes acompanhados por ramos de flores e a reconciliação acontece. Grande parte das mulheres que são alvo de violência doméstica acredita na possibilidade de mudança do agressor e acaba mesmo por regressar a casa.

Os Núcleos de Atendimento à Vítima (NAV) existentes no país visam, precisamente, capacitar as pessoas para a tomada de decisões e ajudá-las a percorrer o caminho escolhido. Ao assinalar o Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, o Voz das Misericórdias (VM) foi conhecer histórias de mulheres que ousaram dizer não à violência.

A separação pode ser difícil. Com Helena, de 23 anos, foi. Depois de seis anos a sofrer agressões frequentes, decidiu, finalmente, sair de casa, acompanhada pelos seus dois filhos, de 4 e 6 anos. As perseguições que viveu foram constantes, e até a violação fez parte do seu sofrimento. Muitas foram as desavenças durante a vida em comum, mas o casal acabava por se reconciliar. “Andávamos sempre a separar e a voltar. Eu tinha esperança de que ele mudasse. Depois de me bater dizia-se arrependido”, contou ao VM. “Custou-me a abrir os olhos, e o afastamento definitivo aconteceu quando comecei a perceber que o único sentimento por ele era o medo.” Muitas foram as vezes em que, cansada das agressões, Helena foi à polícia. “Eu fazia a queixa, ele era notificado e tudo era ainda pior”, revelou.

Mas, foi graças às forças de segurança que Helena chegou ao Núcleo de Atendimento à Vítima (NAV) de uma Santa Casa da Misericórdia, cuja localidade não revelamos para assegurar o anonimato das mulheres que falaram connosco. A funcionar há quase um ano, as pessoas vítimas de violência encontram ali apoios ao nível psicológico, médico e social, assim como aconselhamento jurídico. A funcionar em rede com outras entidades locais, ali procura-se dar as respostas mais adequadas a cada caso. (...) Está entre os objectivos do NAV ajudar as pessoas a recuperar a auto-estima, a superar traumas, e a promover a adesão a consultas de psicologia.

Para Fernanda, de 46 anos, o NAV é o local onde foi possível encontrar os meios para concretizar a sua decisão: acabar definitivamente com um casamento de 29 anos. “Tudo começou com uma cabeçada que ele me deu depois de uma discussão”, motivada por suspeitas de traição. “Estamos inseridas no mercado de trabalho e as amizades com os colegas caem mal aos maridos”, afirmou Fernanda, lembrando que ele “deve ter sido influenciado por alguém”. Neste momento, o processo de divórcio está a decorrer e Fernanda aguarda uma transferência no trabalho para que possa deixar a casa onde ainda vive com o agressor. Através do NAV são feitas as diligências junto da entidade laboral para que o processo seja mais célere. “Olho para minha vida e vejo um arranha-céus que perdeu o equilíbrio e desmoronou. Tenho plena consciência de que quando tomamos uma decisão temos de aceitar as dores e consequências dela”. Também é ali que Fernanda recorre a apoio psicológico para superar a agressão que nunca esperou nem perspectivou ao longo de 29 anos. “Vivemos numa sociedade muito egoísta e nem sempre há um amigo verdadeiro com quem nos sintamos seguros para desabafar”. Apesar de ter dois filhos, de 27 e 24 anos, não foi possível encontrar ajuda junto deles. “Como são homens, viram as coisas mais pelo lado do pai. Fiquei magoada”, desabafou. Na altura em que fez a queixa, Fernanda teve de ser vista por um médico legista. “Vi pessoas em situação muito pior do que a minha, mas não foi por isso que aceitei a agressão”. A realidade dos outros motivou-a ir a tribunal. “A minha intenção não era dar-lhe cabo da vida, mas fazer com que ele tomasse consciência da gravidade do que fez”.

A violência doméstica atinge fundamentalmente as mulheres. Hoje em dia morrem mais mulheres vítimas de violência do género do que, por exemplo, de cancro da mama. Em 2008 foram assassinadas pelo menos 31 mulheres, mais que em 2007. Os autores dos crimes são os maridos, ex-maridos, companheiros, ex-companheiros, namorados ou ex-namorados. Cada vez com maior frequência, o uxoricídio (homicídio de mulheres nas relações de intimidade) e tentativas de assassinato e agressões constituem notícia nos órgãos de comunicação social. (…) Segundo, Maria José Magalhães - professora universitária e investigadora na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação do Porto - em Portugal, em cada três mulheres, uma é ou foi, vítima de violência doméstica. É um número elevado, chocante, real e o drama é transversal atingindo todas as classes sociais, idades, culturas, e grau académicos.

Prevenção em três frentes Maria José Magalhães considera urgente acabar com o drama, ou pelo menos minorá-lo, e garante que a sua organização tem desenvolvido uma série de acções ligadas à prevenção primária, secundária e terciária. Na área da prevenção primária, a investigadora diz que as acções têm lugar nas escolas e nas associações culturais e recreativas e “incidem na educação das crianças, dos jovens e dos adultos para a mudança de comportamentos e atitudes”. A nível da prevenção secundária, e tendo em conta que o problema muitas vezes já existe, é necessário dar resposta social imediata que contribua para minorar o drama. “A sociedade portuguesa - diz a mesma investigadora – está muito deficitária, principalmente a nível da prevenção primária e secundária. O combate à violência doméstica faz parte da campanha de implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, promovida pela Organização das Nações Unidas de 2008 a 2015. No mundo, uma em cada três mulheres é vítima de agressão.


(Artigo com supressoes, retirado do jornal Voz das Misericordias, edicao de Março de 2009)

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