13 de maio de 2009

Violência atinge 33% das portuguesas

Uma em cinco mulheres sofreu maus-tratos

Segundo dados da União Europeia, uma em cada cinco mulheres sofreu maus-tratos por parte do seu marido ou companheiro, pelo menos uma vez na vida. O número representa 25 por cento dos crimes violentos que chegam ao domínio público.


Agressor poderá ser detido fora de flagrante delito

O governo aprovou a 15 de Janeiro a versão final da proposta para reforçar o combate à violência doméstica, que prevê que o agressor pode ser detido fora de flagrante delito e a utilização de meios electrónicos para controlo à distância dos arguidos.


PGR critica “redundâncias” na proposta de lei

O procurador-geral da República alertou recentemente no Parlamento que a proposta para o regime aplicável à prevenção da violência doméstica “não é feliz” na sua redacção e tem “muitas redundâncias”, mas que a “intenção” do diploma é “boa”.


(artigo retirado do jornal "voz das misericordias" da ediçao de Março de 2009)

Elas acreditam que eles podem mudar

Os pedidos de desculpas vêm muitas vezes acompanhados por ramos de flores e a reconciliação acontece. Grande parte das mulheres que são alvo de violência doméstica acredita na possibilidade de mudança do agressor e acaba mesmo por regressar a casa.

Os Núcleos de Atendimento à Vítima (NAV) existentes no país visam, precisamente, capacitar as pessoas para a tomada de decisões e ajudá-las a percorrer o caminho escolhido. Ao assinalar o Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, o Voz das Misericórdias (VM) foi conhecer histórias de mulheres que ousaram dizer não à violência.

A separação pode ser difícil. Com Helena, de 23 anos, foi. Depois de seis anos a sofrer agressões frequentes, decidiu, finalmente, sair de casa, acompanhada pelos seus dois filhos, de 4 e 6 anos. As perseguições que viveu foram constantes, e até a violação fez parte do seu sofrimento. Muitas foram as desavenças durante a vida em comum, mas o casal acabava por se reconciliar. “Andávamos sempre a separar e a voltar. Eu tinha esperança de que ele mudasse. Depois de me bater dizia-se arrependido”, contou ao VM. “Custou-me a abrir os olhos, e o afastamento definitivo aconteceu quando comecei a perceber que o único sentimento por ele era o medo.” Muitas foram as vezes em que, cansada das agressões, Helena foi à polícia. “Eu fazia a queixa, ele era notificado e tudo era ainda pior”, revelou.

Mas, foi graças às forças de segurança que Helena chegou ao Núcleo de Atendimento à Vítima (NAV) de uma Santa Casa da Misericórdia, cuja localidade não revelamos para assegurar o anonimato das mulheres que falaram connosco. A funcionar há quase um ano, as pessoas vítimas de violência encontram ali apoios ao nível psicológico, médico e social, assim como aconselhamento jurídico. A funcionar em rede com outras entidades locais, ali procura-se dar as respostas mais adequadas a cada caso. (...) Está entre os objectivos do NAV ajudar as pessoas a recuperar a auto-estima, a superar traumas, e a promover a adesão a consultas de psicologia.

Para Fernanda, de 46 anos, o NAV é o local onde foi possível encontrar os meios para concretizar a sua decisão: acabar definitivamente com um casamento de 29 anos. “Tudo começou com uma cabeçada que ele me deu depois de uma discussão”, motivada por suspeitas de traição. “Estamos inseridas no mercado de trabalho e as amizades com os colegas caem mal aos maridos”, afirmou Fernanda, lembrando que ele “deve ter sido influenciado por alguém”. Neste momento, o processo de divórcio está a decorrer e Fernanda aguarda uma transferência no trabalho para que possa deixar a casa onde ainda vive com o agressor. Através do NAV são feitas as diligências junto da entidade laboral para que o processo seja mais célere. “Olho para minha vida e vejo um arranha-céus que perdeu o equilíbrio e desmoronou. Tenho plena consciência de que quando tomamos uma decisão temos de aceitar as dores e consequências dela”. Também é ali que Fernanda recorre a apoio psicológico para superar a agressão que nunca esperou nem perspectivou ao longo de 29 anos. “Vivemos numa sociedade muito egoísta e nem sempre há um amigo verdadeiro com quem nos sintamos seguros para desabafar”. Apesar de ter dois filhos, de 27 e 24 anos, não foi possível encontrar ajuda junto deles. “Como são homens, viram as coisas mais pelo lado do pai. Fiquei magoada”, desabafou. Na altura em que fez a queixa, Fernanda teve de ser vista por um médico legista. “Vi pessoas em situação muito pior do que a minha, mas não foi por isso que aceitei a agressão”. A realidade dos outros motivou-a ir a tribunal. “A minha intenção não era dar-lhe cabo da vida, mas fazer com que ele tomasse consciência da gravidade do que fez”.

A violência doméstica atinge fundamentalmente as mulheres. Hoje em dia morrem mais mulheres vítimas de violência do género do que, por exemplo, de cancro da mama. Em 2008 foram assassinadas pelo menos 31 mulheres, mais que em 2007. Os autores dos crimes são os maridos, ex-maridos, companheiros, ex-companheiros, namorados ou ex-namorados. Cada vez com maior frequência, o uxoricídio (homicídio de mulheres nas relações de intimidade) e tentativas de assassinato e agressões constituem notícia nos órgãos de comunicação social. (…) Segundo, Maria José Magalhães - professora universitária e investigadora na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação do Porto - em Portugal, em cada três mulheres, uma é ou foi, vítima de violência doméstica. É um número elevado, chocante, real e o drama é transversal atingindo todas as classes sociais, idades, culturas, e grau académicos.

Prevenção em três frentes Maria José Magalhães considera urgente acabar com o drama, ou pelo menos minorá-lo, e garante que a sua organização tem desenvolvido uma série de acções ligadas à prevenção primária, secundária e terciária. Na área da prevenção primária, a investigadora diz que as acções têm lugar nas escolas e nas associações culturais e recreativas e “incidem na educação das crianças, dos jovens e dos adultos para a mudança de comportamentos e atitudes”. A nível da prevenção secundária, e tendo em conta que o problema muitas vezes já existe, é necessário dar resposta social imediata que contribua para minorar o drama. “A sociedade portuguesa - diz a mesma investigadora – está muito deficitária, principalmente a nível da prevenção primária e secundária. O combate à violência doméstica faz parte da campanha de implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, promovida pela Organização das Nações Unidas de 2008 a 2015. No mundo, uma em cada três mulheres é vítima de agressão.


(Artigo com supressoes, retirado do jornal Voz das Misericordias, edicao de Março de 2009)

12 de maio de 2009

A Violência doméstica é uma realidade invisível

“Cortei e pintei o cabelo. Tive de mudar também de emprego, dei um nome falso com o consentimento dos meus patrões. Mudei de telefone, mas só ligo aos meus pais e aos meus amigos de cabines telefónicas. Enfim, o preço foi alto mas salvei a minha vida… penso tantas vezes se ele um dia virá atrás de mim ou se já arranjou outra vítima”. Maria, de 39 anos, é um dos cerca de 110 mil casos de violência doméstica registados entre 2000 e 2006 em Portugal, 86 por cento sobre mulheres. Para alertar a sociedade, o livro “Sem medo, Maria. Violência doméstica – uma realidade invisível”, da jornalista Fernanda Freitas, analisa números, reúne testemunhos e opiniões de especialistas. “A primeira chapada é sempre sem querer. Mas repete-se. Geração após geração”, - refere a autora. Com prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa e nota conclusiva do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão. “O que mais me desesperou – e perdoem a expressão tão forte – foi o facto de tanta, mas tanta gente achar o fenómeno da violência conjugal como algo perfeitamente normal”, desabafa a autora na nota introdutória do livro. Segundo Fernanda Freitas, o livro pretende ser uma ferramenta que ajude as vítimas a encontrar respostas rápidas quer a nível legal, quer a nível social. “Ao longo da pesquisa que fiz, em mais de meio ano, percebi que há tanto para fazer. A lei tem algumas lacunas, faltam casas-abrigo, mas falta, sobretudo, uma clara mudança de mentalidades”. As consequências físicas e psicológicas também integram a edição. “Falei com psiquiatras que fazem a ponte entre estas vítimas e as vítimas da guerra”, refere a jornalista.

Como fazer queixa, quais os direitos destas mulheres, o apoio existente para sair da espiral de violência, com exemplos concretos ao longo do país, são alguns dos aspectos práticos abordados pelo livro. Sempre com o objectivo de mostrar às vítimas que “é possível começar de novo, apesar do muito que ainda poderá ser feito em Portugal”. A edição traz ainda um guia de recursos para todas as vítimas de violência. Linhas de emergência, contactos das forças de segurança (Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana), entidades gestoras de estruturas de acolhimento, gabinetes de consulta jurídica da Ordem dos Advogados, entre outros.


(artigo retirado do jornal “Voz das misericórdias” da edição de Março 2009)

21 de março de 2009

Entrevista à assistente social da instituição GAF

Numa entrevista realizada á instituição GAF em Viana do Castelo, á assistente social Dr. Mónica tivemos conhecimento de situações diferentes das entrevistas anteriores uma vez que circunscreve um maior número de vítimas.

Esta instituição lida com os casos de Viana do Castelo, sendo que possui também uma casa abrigo onde operam a nível nacional. Até agora tivemos conhecimento de 110 casos.

É uma instituição existente á 15 anos sendo que tem vários pólos de atendimento espalhados pelo país.

Têm um nível de entendimento muito prestável uma vez que possuem psicóloga, advogada e assistente social para ajudar as vítimas.

A advogada informa sobre todos os aspectos jurídico-legais sendo que não pode interferir no processo.

A assistente social analisa o seu estado emocional e físico e a partir dai desenvolve um plano de intervenção. Há dois tipos de vítima: aquelas que querem continuar com o parceiro e a assistente apenas a tenta ajudar para que ela aja para evitar as situações de perigo, por outro lado têm as que querem deixar o companheiro, em que para elas é criado um plano de segurança que consiste em ajudar a vítima a tornar-se independente, a formar a sua nova vida. As casas de abrigo só são utilizadas em último recurso.

Os casos de VD a nível de Viana do Castelo registam-se mais na zona do interior (ponte da Barca e Ponte de Lima).

As vítimas procuram a instituição através do encaminhamento dos centros de saúde, das esquadras, hospitais, … e todo o tipo de intervenção é realizado na instituição. Para a instituição nenhum caso fica por resolver, uma vez que desde que têm contacto com uma vitima aconselham-na e isso já é ajudar.

A instituição não tem qualquer tipo de contacto com o agressor, mas num novo projecto irão criar um apoio a agressores, mas quando se fala de ajudar um agressor a mesma instituição não pode ajudar a vítima e vice-versa.

A maior parte dos casos é do tipo de VD continuada, muitas mulheres são maltratadas desde crianças e pensam que é normal as mulheres serem rebaixadas perante os homens.

O atendimento varia de vítima para vítima, tudo depende do estado emocional da vitima em questão. As pessoas que trabalham neste ramo são profissionalizadas e complementam a sua formação com formações e workshops normalmente elaborados pela instituição CIG.

Denota-se uma maior afluência de crimes na época do Natal, Dezembro e Janeiro e no inicio do verão. A maior parte dos casos de VD é física uma vez que as que são vítimas psicologicamente muitas vezes nem se assumem como tal. As de classe baixa não sabem os seus direitos e as de classe alta têm vergonha de expor os seus problemas.

Na maior parte dos casos estão envolvidas crianças, nestes casos há uma avaliação de risco, isto é, tem que se ver que tipo de risco as crianças podem ter no agregado familiar. Se estão implicadas o caso vai logo para a Comisso de Protecção de Crianças e Jovens. Estas crianças podem ou não tornar-se agressoras, assim como podem ser as primeiras a dizer que não, não há nada que indique que uma criança vítima de VD se torne uma agressora.

A vergonha e o medo são os principais factores que dificultam a denúncia por parte da vítima. A dependência económica – normalmente o agressor tem o ordenado mais elevado – o facto de existir menores envolvidos, a religião – aqui em Viana verifica-se muito a questão do casamento até ao fim das suas vidas – e o que os outros pensam também condiciona a denúncia. Normalmente é a vítima que tem que abandonar o conforto de sua casa para poder livrar-se da VD ficando indignadas. Por isso é que a assistente considera que há muita coisa que devia mudar nos processos de VD. A nova lei do divórcio só veio piorar as coisas.

Não há nada que justifique este tipo de crime. Pode começar por uma simples discussão ou por ciúmes doentios. O agressor é que tem que querer mudar.

As assistentes desempenham assim um trabalho complicado uma vez que não é qualquer técnico que tem perfil para tratar deste tipo de casos, têm que saber controlar as emoções, que reunir estratégias para separar as coisas e não ter uma relação de intimidade para com a vítima, não devem ter pena delas nem envolver-se emocionalmente. Quando se saí do trabalho não se pensa nem fala mais nisso. Fora do trabalho tentam arranjar hobbies para desanuviar. Entre os colegas tiram-se as dúvidas fora do trabalho não se pensa nisso. “Não se vivem situações destas, se não, não havia técnicos de assistência social. É muito doloroso um atendimento pode demorar duas a três horas e depois não tenho capacidade para fazer mais nada depende também do nosso bem-estar” diz-nos a assistente social.